domingo, 20 de abril de 2008


O PONTA DELGADA MORREU… VIVA O PONTA DELGADA*

A vida é feita de paradoxos e a minha não escapa a essa regra!

Como posso falar de economia sustentável, de turismo responsável, de encontros imediatos com golfinhos e baleias, enquanto passo a minha vida a colocar pessoas em aviões?

Os transportes, e sobretudo o transporte aéreo, são responsáveis pela emissão de uma parte considerável dos gases com efeito de estufa (e não apenas o dióxido de carbono, pois existem outros bem piores…). Actualmente 100% das pessoas que visitam o arquipélago utilizam esse meio de transporte, pouco ecológico, simplesmente porque não têm outra escolha.

Assim, para limpar a minha consciência, apresento aqui 3 sugestões para vossa apreciação:
1. Sensibilizar as pessoas que nos visitam para o facto que a realização de uma viagem não tem impacto sobre o ambiente. Os Açores servem de modelo para o caminho que toma a humanidade: aqui podemos tocar o poder da natureza, mas também podemos sentir a sua fragilidade, através da diminuição da biodiversidade… Proponho assim que todos plantem uma árvore autóctone, tomando como exemplo (mau) a ilha da Páscoa;
2. Dar tempo ao visitante de apreciar as ilhas, convidando-os a permanecer no mínimo uma semana na Região e/ou 3 noites em cada ilha. Congressos, fins-de-semana prolongados, circuitos açoreanos inter-ilhas, voos charter (modelo sueco…) deveriam ser banidos, por reflectirem um modelo turístico ambientalmente agressivo. Sem chegar-se ao exagero de proibir turistas com estadias inferiores a 7 dias (que até existe em alguns destinos), é politicamente possível taxar as estadias curtas e aligeirar fiscalmente os operadores que propõem as estadias de duração média.
3. E sobretudo restabelecer uma ligação marítima regular entre Portugal Continental e os Açores (Açores e não apenas São Miguel). O navio é 18 vezes menos poluentes que o avião. Os actuais navios de cruzeiro são capazes de realizar esta travessia em menos de 40 horas, com os seguintes pontos fortes
a. Em primeiro lugar para tomar tempo suavemente, afinal os turistas estão de férias! Desembarquei pela primeira vez nos Açores em 1987 num dia de bruma (compreendi aí a noção de “Ilhas de Bruma”) e senti a vegetação exuberante da ilha lilás antes de ver revelar-se à proa da minha embarcação “Tyl le mutin”, a maravilhosa silhueta do Ilhéu das Cabras e depois docemente, quase sensualmente, a silhueta do Monte Brasil, ainda ressonante da noite das São Joaninas. Que contraste, quando agora a bordo de um nervoso A310 mastigando uma leve refeição oferecida pela TAP, interrogo-me se este “aromático” tubo de alumínio alado será capaz de alinhar-se com a pista ou se a minha bagagem seguiu viagem ou não.
b. Ter espaço para descobrir as ilhas e tomar o horizonte azul do mar açoreano como referência, que é na realidade o que procuram os turistas que nos visitam. Nada mais viola a intimidade, do que após uma semana de trek pelos vulcões da Atlântida, ter que compartilhar um apertado espaço, sentado na confortável cadeira do avião, desenhada para anões, do que ouvir os gritos de susto do Homo sapiens sentado ao meu lado, o qual não foi prevenido do carácter desportivo dos nossos aeroportos… Sim, tenho medo de andar de avião! Mas sobretudo prefiro imaginar-me a tomar um aperitivo na piscina à popa de um paquete, com o pôr-de-sol sobre o Atlântico como pano de fundo, seguindo os golfinhos em direcção aos Açores.
c. O transporte marítimo poderá responder às necessidades de numerosos dos nossos clientes, que preferem o navio por motivos ambientais, explicadas anteriormente, mas também porque poderiam embarcar maior quantidade de bagagem, algo muito importante, se pensarmos que muitos fazem mergulho, por exemplo.
d. Rentabilizar as instalações portuárias em curso de adaptação, criar postos de emprego ao redor desses mesmos portos e servir mais democraticamente o coração do arquipélago, o triângulo. A tarifa desta viagem deveria ser apoiado, na mesma medida do realizado para os voos SATA e TAP, pelo menos para algumas ilhas. (Um pouco fora de assunto, mas relembro que o novíssimo Aeroporto do Pico continua a não ter direito a voos directos de Lisboa. Mesmo na época turística alta, apenas um voo às terças, enquanto que o ancestral vizinho aeroporto faialense recebe 2 ou 3 diários. Este assunto será objecto do próximo humor do blog Espaço Talassa)

Pensamentos Açoreanos
Serge Viallelle

*para aqueles que não o conheceram, o “Ponta Delgada” foi o último navio que realizou ligações marítimas entre Lisboa e os Açores até à década de 80.

2 comentários:

Filipa disse...

Estive a ler o seu Blog...Realmente todos os assuntos focados por si dão que pensar...para quem se preocupa com a natureza...questões económicas...renentabilizar..etc...
A nossa sociedade ainda não percebeu a sua própria irresponsabilidade em vários aspectos e por mais que um pequeno núcleo lute para preservar e manter o que de melhor temos, háverá sempre aqueles que o destruirão certo?! Não há nada mais bonito do que ver as nossas ilhas do mar...é mágio...um Paraiso (como eu tanto chamava nos meus tempos de estudante)! E apesar de me sentir muito orgulhosa do lugar onde vivo sinto que muito poderia ser feito...
Devemos olhar mais para o que nos rodeia e não tanto para o nosso umbigo...
Cumprimentos,
Filipa Silva

Alexandra Dias disse...

Absolutamente de acordo.
A obrigatoriedade do avião não é nada simpática nem para o planeta, nem para o turista nem, sobretudo, para a população das ilhas.
Tive ainda o privilégio de viajar entre ilhas no velho Ponta Delgada - um navio que levava também cabras, galinhas e coelhos.
Foi seguramente uma enorme perda de graus de liberdade mas não adianta chorar- haverá que encontar soluções.
Consigo imaginar que uma frota de navios inter-insulares mais rápidos e confortáveis do que era o Ponta Delgada teria clientela e sucesso.